Documentário do Atento News mostra como Rio Bonito do Iguaçu se prepara para o Natal após o tornado

Reportagem mostra filas por doações, obras por todos os lados e a rotina de famílias que ainda lutam para recomeçar.
Atento News

Quarenta e seis dias depois do tornado de categoria F4 que destruiu cerca de 90% da estrutura de Rio Bonito do Iguaçu, a rotina da cidade ainda passa longe da normalidade, mas o cenário já é bem diferente daquele visto nos primeiros dias após o desastre. Nesta segunda-feira (22), a reportagem do Atento News voltou ao município e encontrou ruas limpas, imóveis cobertos novamente e um grande canteiro de obras espalhado por vários pontos do perímetro urbano.

Os repórteres William Batista e Cleo Ferreira documentaram as informações com imagens e entrevistas em um documentário disponível gratuitamente.

Assista na íntegra:

Reconstrução

Casas que puderam ser reaproveitadas estruturalmente receberam telhas novas. Outras estão sendo reconstruídas do zero. Em meio às construções, surgem as unidades do programa habitacional que vai erguer 320 moradias com recursos do Governo do Paraná. As casas utilizam o modelo off-site, no qual as paredes são produzidas em indústria e chegam prontas para instalação, já com portas, esquadrias, parte elétrica e hidráulica. O sistema promete mais agilidade do que o modelo tradicional “tijolo por tijolo”. Ao todo, serão 320 casas com investimento de R$ 44 milhões dentro de um pacote estimado em cerca de R$ 60 milhões para a reconstrução. Nenhuma moradia está pronta ou habitada ainda.

Foto: Cleo Ferreira/ Reprodução Atento News

Da “fase da UTI” ao momento de resgate

O prefeito de Rio Bonito do Iguaçu, César Augusto Bovino, em entrevista ao Atento News, resumiu a trajetória da cidade desde 7 de novembro em etapas. Primeiro veio o período mais crítico, comparado por ele a uma “fase de UTI”, com foco em salvar vidas, organizar atendimentos hospitalares e socorrer feridos. Depois, a atenção se voltou para as casas parcial ou totalmente destruídas, para o acolhimento social e o apoio psicológico às famílias.

Foto: Cleo Ferreira/ Reprodução Atento News

Agora, segundo o prefeito, o município vive a fase do “resgate”, que combina reconstrução material e acompanhamento das famílias atingidas. A limpeza da área urbana está praticamente concluída, com cerca de 80% dos trabalhos finalizados. Energia elétrica e abastecimento de água foram restabelecidos pela Copel e Sanepar, mas os reflexos do tornado ainda são visíveis na vida de quem mora ali.

Além das residências, mais de 30 projetos de obras públicas estão sendo elaborados com apoio técnico do Crea-PR (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná) e de equipes ligadas a Itaipu. Entram nesse pacote reformas e reconstrução de prédios de escola, creche, APAE, centro cultural e estruturas da prefeitura, em licitações estimadas em cerca de R$ 19 milhões. A previsão da gestão municipal é reconstruir as moradias em aproximadamente seis meses e levar cerca de um ano para concluir as principais obras públicas.

Foto: Cleo Ferreira/ Reprodução Atento News

Na educação, o impacto é direto: com escolas danificadas, alunos estão sendo transportados diariamente para Laranjeiras do Sul, em um arranjo que deve durar em torno de um ano. O prefeito afirma que, até o momento, não houve falta de recursos para as obras principais, graças a repasses do governo estadual e do governo federal, e que estão sendo estudadas formas jurídicas de apoiar pequenos comerciantes que perderam equipamento e estrutura de trabalho, como salões de beleza e outros serviços.

Apesar do abalo, o temor de êxodo em massa, comum nos primeiros dias, não se confirmou, segundo o prefeito. Ele afirma que foi ao contrário disso: afirma acreditar que a reconstrução vai gerar demanda por trabalhadores e serviços, ajudando a manter e até atrair moradores, numa cidade que agora está sendo redesenhada, com novo planejamento para rodoviária, áreas de lazer, unidades públicas e moradias.

Parque de exposições vira central de doações

Para quem chega de Guarapuava, a situação de Rio Bonito do Iguaçu começa a ser percebida logo na entrada da cidade. O até então parque de exposições foi transformado em uma grande central de donativos. No local, dois barracões de lona, com cerca de 3 mil metros quadrados cada, montados pela Defesa Civil, concentram alimentos, itens básicos e materiais de construção destinados às famílias atingidas.

Foto: Cleo Ferreira/ Reprodução Atento News

Em um dos barracões ficam as cestas básicas e os kits de higiene e limpeza. No outro, estão organizados os produtos para obras: portas, cimento, cal, madeira, tijolos, tubulações, cerâmica e outros materiais usados na reconstrução de casas. A ideia é que quem precisa de comida e itens essenciais siga uma logística, e quem precisa de material de construção seja atendido em outro fluxo, ligado ao setor de obras.

Responsável pela chegada e entrega dos alimentos, André Luiz Marina explica que a estrutura foi sendo montada aos poucos, até chegar ao formato atual, com dois grandes galpões, voluntários e apoio do projeto “Mãos Amigas”, que reúne Pessoas Privadas de Liberadade (PPL) de Guarapuava e Laranjeiras do Sul no trabalho de organização. Segundo ele, as cestas foram turbinadas para garantir alimentação por mais tempo.

Foto: Cleo Ferreira/ Reprodução Atento News

As cestas básicas montadas ali costumam pesar entre 30 e 40 quilos e levam mais itens do que o padrão: arroz, feijão, óleo, farinha de trigo, café, sal, macarrão, bolachas, achocolatado em pó e leite, entre outros produtos. As famílias recebem uma ou duas cestas, dependendo do número de pessoas na casa. Além disso, cada beneficiado recebe kits de higiene pessoal (com xampus, sabonetes, cremes dentais, absorventes, entre outros itens) e kits de limpeza (sabão em pó, produtos para lavar louça e outros itens básicos para manter a casa organizada).

Grande parte desses produtos vem de doações de diferentes estados brasileiros, além de cargas encaminhadas pela Receita Federal. Para conseguir organizar a distribuição, o município adotou um sistema de cadastro: o morador precisa apresentar título de eleitor, CPF e comprovante de residência. A medida foi necessária depois que pessoas de outras cidades passaram a tentar retirar cestas destinadas exclusivamente às famílias de Rio Bonito do Iguaçu.

Pelos registros da equipe, mais de 8 mil pessoas já foram cadastradas e o volume de cestas básicas entregues passa de 10 mil. Só nesta segunda-feira, a meta era entregar mais de mil kits antes do Natal.

Cestas preparadas “com carinho” e filas sob o sol

A organização diária da fila e da retirada dos produtos fica a cargo de Simone Chimitel, coordenadora de distribuição do Centro de Logística. Ela conta que os moradores que aguardavam no sol forte desta segunda-feira já tinham cadastro prévio, o que permite agilizar o atendimento: o sistema apenas registra a retirada do dia, libera as cestas e os kits, e a pessoa segue para casa.

Segundo Simone, entre 8 mil e 10 mil cestas, além de kits de limpeza, higiene, leite e fraldas, já foram distribuídos. Na semana anterior, a equipe precisou suspender atendimentos por um período para reorganizar o barracão e montar os kits especiais de fim de ano. A proposta foi caprichar um pouco mais nas cestas entregues antes do Natal, para que as famílias tivessem, ao menos na mesa, um pouco mais de conforto num período tão delicado.

Enquanto isso, o barracão ao lado concentra outro tipo de esperança: os materiais que vão ajudar a erguer casas, refazer muros, coberturas e estruturas. Esse fluxo é acompanhado pela equipe de obras, que avalia as necessidades caso a caso.

Dor que fica, cidade que não esquece

Entre os muitos rostos da fila, um deles chama atenção pelo jeito simples e pela fala emocionada: dona Irene Henrique de Jesus, moradora da área rural. Ela veio buscar uma cesta básica para reforçar a despensa de casa. Vive no sítio, é aposentada e já morou quase vinte anos em Curitiba, para tratamento de saúde, antes de decidir voltar ao interior.

Na propriedade, o tornado derrubou árvores sobre a estrebaria, atingindo a área onde ficam os animais. Sem maquinário adequado, a família ainda não conseguiu retirar tudo. Uma lona cobre parte da estrutura, numa tentativa de proteger o que restou. Mesmo assim, dona Irene diz que se considera privilegiada por ainda ter uma cama para dormir e um lugar para preparar a própria comida, ao lembrar das pessoas que perderam tudo.

Ela também fala da dimensão emocional da tragédia: escolas que deixaram de existir, lugares de memória destruídos e um trauma que, na visão dela, não será esquecido pelas famílias de Rio Bonito do Iguaçu. Ao mesmo tempo, demonstra gratidão pela solidariedade recebida e esperança de que, com a ajuda que vem de fora e o esforço de quem ficou, a cidade consiga se reerguer.

Comércio reabrindo e rotina em reconstrução

Além das obras, das filas e dos barracões, há outra imagem que ajuda a contar a história deste fim de ano em Rio Bonito do Iguaçu: a do comércio tentando voltar à vida ativa. Lojas de roupas, presentes, lanchonetes e restaurantes reabriram as portas, atendendo moradores e pessoas que circulam pela região.

É uma cidade que ainda carrega cicatrizes profundas, materiais e emocionais, do tornado de 7 de novembro, mas que, pouco a pouco, tenta retomar a rotina. Entre caminhões carregados de materiais de construção e famílias com sacolas de donativos nas mãos, Rio Bonito do Iguaçu vive um Natal e uma virada de ano bem diferentes.

Em meio a escombros que ainda restam, novas paredes se erguem. E, entre filas, cestas e kits montados, cresce também a sensação de que a cidade, embora não esqueça o que aconteceu, começa a escrever o capítulo da reconstrução.

Por William Batista e Cleo Ferreira, Atento News

Últimas atualizações